segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ainda na barriga, mas já com data certa para estudar

Pedro vai nascer em meados de novembro, mas o dia do parto ainda não foi agendado. O bebê, no entanto, já tem data marcada para começar a frequentar uma creche: 2 de maio de 2012. Aos cinco meses de gravidez, sua mãe, Bianca Sallaberry, acaba de fazer a matrícula numa instituição em Botafogo, bem em frente ao local onde trabalha. Quando esteve lá há alguns dias, ela só queria conhecer o lugar, ter informações sobre preços, mas acabou descobrindo o que muitos pais estão constatando. Por causa da explosão imobiliária no bairro e em outras regiões como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, está cada vez mais difícil conseguir vaga em creches e escolas, principalmente nas turmas de educação infantil.
- Estou nove meses adiantada. É o meu primeiro filho, algumas amigas disseram para eu começar a procurar, mas não sabia que era complicado assim. E eu queria essa, em frente ao meu trabalho - explica Bianca, que calcula voltar da licença em abril. - Ele só começa em maio. Vou ter que fazer um esquema com minha mãe e minha sogra.
Creches têm até fila de espera
Pedro vai ficar na creche Criativa, que está com as 180 vagas ocupadas e mantém uma lista de espera com cem candidatos. A instituição tem filiais em outros bairros, como a Barra, que desde 2006 lidera o ranking da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), com o maior número de novos empreendimentos. De 74.720 novas construções, 19.373 estão na Barra. Os dados, consolidados até abril deste ano, mostram ainda que nestes últimos cinco anos foram erguidos 1,6 mil novos prédios em Botafogo.
A funcionária pública Márcia Cristina Nogueira de Figueiredo e o marido Delson Antonio Carvalho Silveira, que moram na Tijuca, vão se mudar para a Barra até setembro. O filho deles, Eduardo Henrique, de 3 anos, está no maternal II do colégio Mopi, que tem filial nos dois bairros. Desde março ela tentava a transferência para a Barra, confirmada somente na semana passada, depois que uma família informou à escola que vai se mudar do Rio. A vaga, no entanto, é para setembro.
- Estava chegando a hora da mudança e nada de vaga. Só conseguimos porque uma família vai sair do Rio. Estava preocupada, não queria trocar de escola, ele já está adaptado. Sabe que, quando bota o uniforme, é hora de estudar.
Diretor administrativo do Mopi, Vinicius Canedo reconhece o impacto do crescimento imobiliário na Barra, onde a escola funciona há três anos. Por causa da demanda, o colégio prepara a expansão dessa unidade e negocia a compra de um terreno em outro ponto do bairro para erguer mais uma filial. Segundo Canedo, as turmas de educação infantil estão com fila de espera. Para conseguir vaga, as famílias passam por uma "sondagem".
- Temos um projeto pedagógico sustentável, e a grande demanda nos ajuda a mantê-lo. Com a sondagem, seleciono pais alinhados com nosso pensamento. Quando a escola tem vaga sobrando, acaba recebendo famílias que depois questionam o projeto. E, se o colégio faz concessões, perde a identidade.
A grande procura por vagas também foi positiva para a Creche Escola João Paulo II, no Recreio. Inaugurada há cinco anos, ela está funcionando a todo vapor, na metade do tempo previsto para a consolidação do negócio. Sócia da instituição, Nailse Dalboni diz que muitos candidatos da fila de espera são filhos de jovens casais que se mudaram para o bairro, atraídos pelos novos empreendimentos imobiliários:
- No Recreio tem muitos casais que moram longe da família, alguns não querem ter babás e precisam de creche. Nosso berçário é a menina dos olhos.
Mãe de Manuella, de 4 anos, Aline Papera Monteiro Nesti sabia que não seria fácil achar vaga para Lucca, de 8 meses. Mesmo assim, só procurou a João Paulo II em maio, quando terminou sua licença. A boa notícia só chegou na semana passada.
- Fiquei na fila de espera, mesmo tendo filha matriculada. O bairro cresceu muito. Vai ter gente saindo da maternidade e entrando nas creches.
Eliane d"Ávila Pixioline, moradora do Recreio há um ano, disse que visitou várias creches para matricular Filipe, de 6 meses. Em algumas, não havia vaga nem para 2012.
- Fico de licença até dezembro, mas ele já vai começar a adaptação em agosto, para garantir a vaga na João Paulo II. Não esperava isso.
Ao investir num novo prédio, a construtora, em geral, divulga as vantagens do bairro. De acordo com o presidente da Ademi-RJ, José Conde Caldas, os empresários não tinham percebido que a falta de escolas era um ponto negativo em algumas regiões:
- Barra e Recreio têm núcleos isolados. Mas a falta de escolas surpreende até a Ademi. Em Botafogo há muitas famílias de classe média e, para manter o padrão, o homem e a mulher trabalham. Não tem quem cuide das crianças.
Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Básico do Município do Rio, Victor Notrica lembra que em Botafogo há restrição para a construção de novas escolas e creches, em áreas como as de proteção ambiental e em locais com problemas viários:
- A falta de vaga afeta mais as creches. Nos ensinos fundamental e médio é mais fácil de os alunos circularem, estudam em bairros próximos.
A escassez de vagas em escolas também é uma realidade na Barra. O colégio pH, que tem duas unidades no bairro, prepara uma expansão para 2013 e estuda a possibilidade de criar turmas de horário integral. Em Botafogo, a Escola Dínamis tem ampliado as turmas, principalmente de educação infantil.
- Tínhamos duas turmas, agora são cinco. A maioria das famílias quer vaga à tarde, mas tem gente frequentando pela manhã, para garantir a preferência. Mas o curioso é que, quando surge a vaga à tarde, a criança acaba ficando em horário integral - conta Céu Feldman, diretora de ensino infantil da Dínamis.
Vagas em creches e escolas não acompanham expansão imobiliária, obrigando mães a se planejarem muito cedo
BIANCA MOSTRA a barriga, aos cinco meses de gravidez de Pedro, que já tem matricula numa creche em Botafogo; ao lado, Márcia, Delson e Eduardo Henrique, que brinca com o trenzinho em casa: o menino estuda num colégio na Tijuca e, depois de ficar numa fila de espera, conseguiu vaga para a filial da Barra, numa turma de educação infantil 

Ediane Merola - O GLOBO

Fonte: Jornal O Globo

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